segunda-feira, 17 de junho de 2013

Balanço Prévio das Manifestações

Um espectro ronda o Brasil: e não é o espectro do comunismo. Dessa forma, precisamos, obrigatoriamente fazer antítese às palavras de Marx e Engels no manifesto. O espectro que nos ronda nessa onda de manifestações é outro: não é o espectro que desejamos, não é o espectro pelo qual lutamos, é um espectro que não sabemos bem o que é, só sabemos que não nos agrada.

"Mas, vocês comunistas deveriam estar apoiando incondicionalmente essa manifestação"; nos diria qualquer um por aí. Será mesmo?

Da distância que nos é possível acompanhar, pelo fato de residirmos bastante distantes dos focos da manifestação, algo nos tem chamado particular atenção. A mídia, que normalmente é radicalmente contrária ao movimento, se posicionando a favor. Será por medo? Será por que valores morais de ordem mais profunda se instalaram nessas instituições? Será cinismo? Será oportunismo? Será tentativa de incutir valores que são estranhos aos manifestantes? A resposta para as primeiras dessas questões tende a ser negativa; quanto mais nos aproximamos das últimas questões, elas nos parecem mais afirmativas. Vamos aos fatos.

Quando, caros leitores, vocês presenciaram alguma grande empresa das comunicações fazer elogios a manifestações? Geralmente esses grupos aproveitam-se de fatos isolados para deslegitimarem todo o movimento. Isso é recorrente, citar exemplos seria desnecessário. No passado que nos é próximo, é possível lembrar do caso recente quanto à questão das terras indígenas no Mato Grosso, nas ocupações recentes de fazendas do MST. A mídia, invariavelmente, isola um fato para deslegitimar o movimento. Como explicar que o contrário esteja ocorrendo?

Causou-me surpresa e profunda desconfiança o fato de que a Globo News, através de seus jornalistas que cobriram todo o dia de manifestações, que a Band, na figura do Sr. Datena e a Record, na figura de Marcelo Rezende, tenham todos falado bem das manifestações, dizendo que seriam legítimas, desde que não houvesse violência. Causou-me entretanto, maior surpresa ainda, nos momentos mais tensos da manifestação no Rio de Janeiro, especialmente nos momentos em que houve incêndio na escadaria da Alerj, e no momento em que um carro foi incendiado nos seus arredores. O discurso da Globo News, rigorosamente, era: "o que estamos vendo, esses incêndios, são casos isolados, que não refletem a maioria do movimento e nem tiram a sua legitimidade, afinal isso é normal em grandes multidões, sempre tem uns grupos que se descontrolam, mas prevalece a legitimidade". A Globo News afirmou isso, camaradas! De outro lado, tenho visto coisas, que igualmente me causam espanto. Conhecidos que sempre se caracterizaram pela exposição das posições mais reacionárias, estão levantando bandeiras em favor da manifestação. Na internet, os mesmos estão postando imagens e mensagens favoráveis ao movimento.

Ao lado de toda essa euforia, entretanto, algumas das bandeiras tipicamente reacionárias, se não estão abertas sobre uma multidão, estão enroladas em seus mastros, a ponto que, com um pouco de atenção, é possível ler seus dobrados caracteres impressos ou pintados. A primeira ideia que me chamou atenção nesse sentido, foi o fato de que os R$0,20 centavos, seriam só a gota d'água. Investigando o restante do conteúdo desse copo por transbordar, vemos questões como, "segurança, corrupção, fisiologismo, a própria política etc.". Como é que se resolvem questões desse naipe? De quem são tipicamente essas demandas?

Para se fazer justiça, pelo que temos acompanhado, a vanguarda (se é que ainda continua na vanguarda) que iniciou esse movimento, o MPL, insistiu durante o dia que a demanda ainda era apenas pelo transporte público, enquanto que os jornalistas e as redes sociais relatavam que o conteúdo restante do copo já cheio era o mais fundamental. Portanto, as demais demandas que estão sob essa gota, vê-se, que são bandeiras tipicamente conservadoras e até mesmo reacionárias.

As marchas anti-corrupção no país são patrocinados por uma classe média moralista que jamais se perguntou a seguinte questão: "se a corrupção finda, o que de substancial mudaria nessa sociedade?". A resposta que podemos oferecer é que nada substancial se modificaria. A corrupção é condenável, sem dúvidas, porém, ela é apenas a ponta do iceberg, não toca em questões fundamentais como a propriedade dos meios de produção no Brasil, a situação das classes trabalhadoras, os direitos trabalhistas, a jornada de trabalho, os ganhos do capital financeiro, a promoção de superávits primários pelo governo para pagar essa dívida externa que jamais foi auditada. As outras bandeiras que citamos, são igualmente típicas da classe média reacionária e conservadora.

O MPL ao que nos parece não entrou nessa onda de que essa manifestação é por "tudo". A mídia e as publicações das redes sociais é que têm forçado nesse sentido. Coincidentemente foi a partir dessa ampliação do escopo da manifestação é que seus participantes de multiplicaram. As demandas extrapolaram os interesses dos trabalhadores e das classes mais pobres (que são os usuários típicos do transporte público no Brasil), e incorporaram a todos. Inclusive os setores conservadores. Dentre as demandas dos conservadores, que foram incutidas pela mídia e pelas redes sociias, uma em particular nos chamou a atenção. Em geral as pessoas são avessas à presença dos partidos políticos nas manifestações, assim como seus símbolos como camisetas e bandeiras. O apoliticismo pregado diariamente na mídia, onde afirma-se que tudo que tem a ver com política é sujeira ou é imoral, tem causado profunda cegueira ao movimento. Apenas os partidos políticos são capazes de sistematizar e universalizar demandas de modo que elas não se percam e se sistematizem, e com isso mesmo se perpetuem. Uma recente onda de movimentos recentes que pudemos presenciar sofreu na pele a falta de um partido e por isso se extinguiu rapidamente: estamos falando aqui do Occupy ocorrido em Nova York. Nesse movimento em que as pessoas iam protestar em Wall Street muita esperança foi criada, filósofos discursavam e eram ouvidos pela multidão, inclusive marxistas. Entretanto, a falta de um partido que aproveitasse aquelas experiências de mobilização, as sistematizassem e as somasse em um arcabouço de mobilizações, fez com que o Occupy não só se extinguisse rapidamente, como também, com que ele não tenha deixado pouco ou quase nenhum fruto para futuras manifestações. Um partido político é capaz de perpetuar experiências, centralizar demandas. Critica-se os partidos sem sequer conhecê-los, sem sequer saber como funcionam e sem sequer saber o que representam. Quanto menos partidários formos melhor é para o status quo. Enquanto os trabalhadores e classes baixas em geral pregam o apoliticismo, os grandes empresários e financistas estão nos partidos conservadores, estão nos sindicatos patronais e nos institutos que divulgam suas ideologias. Por que nós devemos renunciar às armas que eles usam?

Não faz, agora, algum sentido que as televisões estejam apoiando esse movimento? Além desses casos citados, tenho presenciado, ainda de forma menos substantiva, citações como "Impeachment da Presidente Dilma", fim das "Bolsas Esmolas". Essas bandeiras são tipicamente conservadoras. Devemos fazer críticas à Dilma, mas pela esquerda, e não pela direita. Querer desmantelar as poucas conquistas de programas sociais que conquistamos nos últimos anos, só pode ser um movimento pela direita. Então, faz algum sentido que Datena e Arnaldo Jabour tenham virado de lado.

Por outro lado, nos causa estranheza o fascínio que essa manifestação tem causado à própria militância da esquerda. É claro que a esquerda deve ocupar o máximo de espaço possível e comparecer sim, entretanto, não deve deslumbrar-se com o que está acontecendo. Entretanto é preciso que se diga, sob pena de sermos julgados negativamente: nem toda manifestação é progressista. Talvez no Brasil tenhamos nos acostumado ao fato de que as grandes manifestações tenham sido progressistas, como as manifestações do MST, as manifestações sindicais nos anos 80 e as manifestações contra a ditadura cívico-militar.  Porém, nem toda manifestação é assim. Talvez nos seja distante, mas é preciso lembrar que o Integralismo de Plínio Salgado levava centenas ou milhares de pessoas às ruas de São Paulo. A direita também se mobiliza e sai às ruas. Na nossa vizinha Venezuela esse tipo de movimentação, conforme testemunha o documentário "A revolução não será televisionada", mostrou como uma movimentação de direita aliada a distorção dos meios de comunicação, pode fazer com que até pessoas que são moralmente contra os ideais de direita, ajam em favor deles. O resultado disso: o golpe contra Chavez, que só foi revertido posteriormente.

É preciso que tenhamos atenção quanto a isso. É evidente que a grande maioria das pessoas que estão participando das manifestações brasileiras não são de direita. Entretanto, em política muitas vezes defendemos o que não é nosso. O grande risco é que essas pessoas saiam às ruas por ideiais conservadores. Repito: grandes meios de comunicação apoiando manifestações não são um fato muito comum. Há um risco de que se incutam ideias no movimento que lhe são externas.

É preciso pesar tudo isso para se avaliar se o movimento é progressista ou não. Provavelmente teremos saldos positivos para alguns partidos ou setores da esquerda, mas temo que os resultados para a direita sejam mais significativos. O julgamento fica por conta do leitor, mas não só por ele, principalmente, fica por conta da História.

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